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Dançar: condições para mover

SNEAK PEEK da Conversa entre Tanja Baudoin e Sofia Caesar, 2022-2023

 

Para documentação da obra de Sofia, veja:

https://sofiacaesar.net/

https://vimeo.com/353834797 (Workation, 2019)

https://vimeo.com/user6878475 (Superacecidas, 2022)

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Stills de Workation, 2019. Vídeo parte da instalação Workation.

Tanja Baudoin: Eu queria te perguntar sobre um aspecto do seu trabalho que me interessa muito: a questão do movimento. É um aspecto presente naqueles vídeos do Workation que você apresentou na exposição Canseira no Centro Hélio Oiticica no Rio de Janeiro e no museu M KHA em Antuérpia, Bélgica, em 2019, e também nos vídeos mais recentes que envolvem outros performers (Superaquecidas, 2022) e que foram apresentados na Galeria Cavalo (RJ) e no espaço KIOSK em Ghent, Bélgica.

           Me parece que você está fazendo uma pesquisa de movimentos do corpo. Acredito que é uma pesquisa muito profunda, que talvez, à primeira vista, não seja tão óbvio de onde vem, não é tão fácil identificar a sua natureza. Fiquei pensando sobre que tipo de movimento é esse, qual o contexto dessa linguagem do corpo? Por exemplo, nos vídeos curtos que compõem sua instalação Workation (2019), que registram você com um computador na rede ou na praia, você faz um tipo de escorregão, é quase uma queda, mas não é bem isso. É um movimento direcionado, intencional. Parece que você está se entregando profundamente ao movimento, de forma que é raro ver nas obras de arte visuais. Falar que é uma dança ou uma performance não qualificaria. É uma outra coisa, que talvez tem a ver com sua formação: que começou na dança, e depois continuou na arte contemporânea.

         Talvez seja difícil falar sobre isso. Sua obra trata de muitos outros assuntos, como o trabalho, a exaustão, e sobre como essas forças impactam o corpo. Não podemos deixar isso completamente de lado, mas gostaria de ver se conseguimos falar sobre o movimento e o corpo, sem entrar diretamente em uma contextualização sócio-política ou uma interpretação da obra. Eu gostaria de ouvir você falar sobre a relação entre o corpo e o objeto, como, por exemplo, o computador. Qual movimento essa relação pode gerar e qual estado do corpo isso implica.

           Para a gente começar, talvez você possa falar um pouco sobre como você entrou no campo de arte e sobre as práticas que você encontrou na sua formação.

 

Sofia Caesar: Essa é uma pergunta muito interessante, porque ela passa por um lugar que é só do corpo. O que eu quero dizer com só do corpo? Um lugar que não é verbalizável, um lugar que é vivido. O que dá para ser verbalizado são as maneiras de entrar nesse estado do corpo, as imagens, as coisas ao redor. As práticas, os exercícios, as maneiras de se aproximar desses estados corporais difíceis de serem descritos com palavras.

           Meu corpo desde nascença já é condicionado. Sou branca, nascida na Inglaterra e crescida na Glória no Rio de Janeiro, criada por uma família de artistas, professores de arte e agentes culturais diversos. O que eu levo muito para o trabalho passa também por uma formação em dança que teve como base um pensamento somático, ou seja, um pensamento que não tem a ver com a percepção do corpo por um olho externo, visto no palco pela plateia. É o ponto de vista do corpo como ele é experienciado ou visto por dentro do próprio corpo. Essa é a definição da prática somática do Thomas Hanna(1), a quem o termo é geralmente atribuído, mesmo se a história envolve muitas mais pessoas. A escola onde eu estudei, a Escola Angel Vianna(2) na rua Jornalista Orlando Dantas no Rio de Janeiro, tem origens que remontam à década de 60 e 70. Era um lugar de resistência na época da ditadura militar. A escola juntava a Angel Vianna, que era bailarina clássica, com o marido dela já falecido, Klauss Vianna, que trabalhou muito com atores e o teatro, e eles tinham um filho, Rainer Vianna, que também se envolveu. Em 2009, Suzana Saldanha organizou um livro que conta a história e fala sobre o "método Angel Vianna".(3) Angel não gosta da palavra "técnica" e também não gosta da palavra "método", mas foi a palavra meio-de-caminho que ela encontrou para se referenciar a um certo "modus operandi" que usamos para entrar nesses estados corporais.

[...]

         

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(1) Thomas Hanna, "What is Somatics?". In: Bone, Breath and Gesture: Practices of Embodiment, ed. Don Henlon Johnson (Berkeley: North Atlantic Books, 1995), 341 - 352.

 

(2) A Angel Vianna Escola e Faculdade de Dança.

(3) Suzana Saldanha (org.), Angel Vianna: Sistema, Método, ou Técnica? (Rio de Janeiro: Funarte, 2009).

Vista da exposição Canseira, Centro de Arte Hélio Oiticica, Rio de Janeiro, (2019). Foto: Pat Kilgore.

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Mobiles Cansados, 2019. Letras, fio de costura, barrinhas de metal, 120 x 120 x 60 cm. Foto: Pat Kilgore.

TB: Nos últimos anos, você fez vários móbiles, que as vezes consistem em palavras desconstruídas em letras, ou objetos como celulares, desconstruídos em várias partes (Mobiles Cansados, 2019). Assim os objetos ou palavras perdem a função original, mas fazem parte de uma estrutura nova que também envolve movimento. Porque são móbiles, eles são movidos pelo ar. São constelações em movimento, nunca fixo. É uma investigação do movimento, mas com objetos como os protagonistas principais, e com um tipo de movimento que não é mecânica, mas vem do ambiente. Poderia falar sobre esse tipo de movimento do objeto?

 

SC: Agora eu lembrei de uma coisa da primeira pergunta, que talvez seja uma resposta mais específica sobre essa questão do movimento na minha prática. Todos os gestos e movimentos que eu venho explorando em vários trabalhos desde Workation tem a ver com usar o peso do dispositivo técnico. O objeto, como por exemplo o celular, é pesado no sentido que é exaustivo, mas também é pesado porque ele é um material, e matéria tem peso. A questão é como usar isso para ir para o chão, como entregar o peso para o chão. Muitos dos gestos nesses trabalhos vieram dessa ideia de incorporar o peso. Como o celular não é muito pesado, essa queda não é veloz. Então, é sobre sentir o peso… ir sentindo… levando… até o chão. Depois do vídeo do Workation eu fiz um performance chamado Unrest (inquieta, 2019), com celulares e computadores. O celular começou aparecer não como câmera, mas como objeto físico.

             Sobre os móbiles: eu estava muito cansada, exausta, e eu encontrei umas letrinhas de plástico. Escrevi a palavra “exausta” e comecei pensar sobre o peso dessas palavras, que significam tanto, e se eu pudesse re-escrever, re-figurar… Os primeiros móbiles que eu fiz foram de palavras sempre associadas a cansaço, como “canseira”, “exaustão”, e sinônimos dessas palavras em outras línguas, “exhausted”, “crevée”, “uitgeput”... É isso, pelo movimento da estrutura dar uma nova estrutura, um novo corpo. Sempre fico pensando nisso: dar um novo corpo, mobilizar, desorganizar e reorganizar o corpo pelo movimento.

[...]

TB: Quando você trabalha com outras pessoas, como você lida com essas tensões que a câmera carrega? Qual é seu modo de trabalhar com os movimentos dos outros em relação à câmera, tendo em vista também que uma câmera ligada pode provocar outros comportamentos?

 

SC: Pois é. Não dá trabalhar comigo mesmo o tempo todo, porque o trabalho não é sobre a minha pessoa, nunca foi. Em algum momento eu saquei que, se eu usar esses métodos que eu usava comigo mesmo com outras pessoas, a gente chegava juntos num estado diferente. Cada corpo é diferente, mas através de uma metodologia, uma maneira de trabalhar o corpo, chegamos ao movimento. No caso do trabalho recente de Superaquecidas eu dava um “ignição”, um gatilho de início de improvisação, que era a mesma pergunta para todo mundo: o que você pode fazer com seu corpo quando seu computador superaquecer? Que outro corpo pode existir nesse momento, nesse estado de calor, de impossibilidade de trabalhar porque a máquina está exausta? Isso gerou conversas, propostas, contra-propostas, entre nós todas – as três performers e a Andrea Capella(4), que também estava envolvida, porque ela também dança, ela dança com a câmera.

[...]

A conversa completa será publicada em breve.

(4) A artista Andrea Capella estreou na direção com o curta-metragem Desassossego (Filme das Maravilhas) em 2010. Antes disso, foi diretora de fotografia de alguns curtas-metragens e do filme "A fuga, a raiva, a dança, a bunda, a boca, a calma, a vida da mulher gorila" (2009) de Felipe Bragança e Marina Meliande. 

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Still de Superaquecidas, 2022. Vídeo parte da instalação Superaquecidas, com quatro telas, ventiladores, cabos e banquinhos tortos. Dimensões variáveis. Feito em colaboração com Andrea Capella, Varinia Canto Vila, Laura Samy, Lara Negalara, Nyandra Fernandes, Michelle Chevrand. 

@Galeria Cavalo, Rio de Janeiro.

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